Tendo iniciado em 1922, este ano o Exército de Salvação no Brasil comemora seus 90 anos. E tendo eu ingressado neste Exército em 1962, posso dizer que nele estou há 45 anos (salvo 5 anos em que dei uma "escapada" para servir a Deus em outro lugar e logo voltei ao "primeiro amor" em termos de denominação).
São, naturalmente, muitas as experiências e lembranças, inclusive musicais, pois o Exército de Salvação e a música são quase sinônimos.
Vamos, então, enfocar alguns antigos corinhos que constavam nas páginas finais dos nossos hinários, exceto na última edição do "cancioneiro". Eles eram devidamente classificados e numerados, por exemplo: Experiência, Guerra, Louvor, Oração, Salvação e Santidade. Cantados nas reuniões, elevavam o espírito, animavam os testemunhos, incentivavam à luta espiritual e convidavam o visitante a entregar a vida a Jesus.
Um pequeno comentário e/ou uma lembrança abençoada ou mesmo pitoresca estão inseridos em determinados coros abaixo. Certamente outros camaradas - palavra usada mais no passado do que nos dias de hoje - poderiam acrescentar outros coros e outras histórias interessantes, paralelas às bênçãos que esses coros traziam.
Vamos enfocar somente alguns - pois eram muitos! - e quem sabe não só reviver o passado, mas reavivar o nosso espírito no momento que se chama agora. E por que não? Samuel L.Brengle dizia que carregava sempre um "banco de penitentes"* consigo e, quando dele precisasse, o utilizava onde quer que se encontrasse...
* lugar nos salões salvacionistas onde a pessoa vai orar buscando a salvação ou mesmo uma consagração de sua vida.
Abre o céu, Teu rosto resplandeça/ Sobre o Teu servo aqui em oração./ Com Tua graça e santidade desce./ De novo inflama, ó Deus, meu coração.
Ouvindo pela primeira vez duas jovens tenentes - Margarida Cotting e Maria Amélia Julia - entoarem este corinho em dueto, Deus tocou fundo meu coração e naquela reunião do Dia de Juventude-1962 ofereci-me para Seu serviço como oficial do Exército de Salvação no Brasil.
A luz deste mundo é Cristo (bis)/ Ó pecador, vem já, Jesus te salvará! A luz deste mundo é Cristo!
Este corinho para mim é associado também aos momentos quando faltava luz elétrica nas reuniões do passado - inúmeras vezes! - e logo o dirigente conduzia a congregação a cantá-lo enquanto velas eram providenciadas. Por outro lado, luzes bem fracas também podem fazer-me lembrar do passado, quando fazíamos economia na iluminação.
Ó vem, Senhor Jesus,/ Abençoar Teu povo aqui./Ó vem, Senhor Jesus,/ A nossa fé está em Ti!
De autoria de Paulo Tavares Bastos, era um corinho muito cantado em reuniões de oração. A música? "Não há, ó gente, ou não luar como este do sertão!"
Abre as janelas celestes/ Campos tão secos vem hoje regar/ Cremos nas Tuas promessas/ Senhor, vem Teu povo avivar!
Bruno Behrendt escreveu este coro, fervorosamente cantado na busca de avivamento.
Quem mantém a vida em mim é o Espírito de Deus,/ Fogo abrasador, que vem do meu Senhor./ Quem mantém a vida em mim é o Espírito de Deus,/ Glórias ao grande Salvador!
Aprendi este coro no início da vida salvacionista, trazido pelo pioneiro da obra no Rio Grande do Sul, o dinamarquês Richard Christensen, quando visitou nosso estado gaúcho, onde ele, como pioneiro, implantou a obra salvacionista.
Tem fé em Deus, perto Ele está/ Embora forte o temporal,/ Virá o dia, sairá o sol;/ Tem fé em Deus, tem sempre fé!
Quem dos camaradas antigos não cantou este coro diante de alguma luta ou problema que o afligisse?
Só o poder de Deus pode mudar teu ser/ A prova que eu te dou é que mudou o meu!/ Não vês que sou feliz? Sirvo ao meu Senhor!/ Nova criatura sou, salvo sou!
Típico das reuniões ao ar livre, quase o cantávamos olhando no rosto dos ouvintes que em grande número vinham ouvir nossa mensagem.
Sei de um lugar de purificação,/ fonte do bem e eterna salvação;/ Cai todo o fardo, nasce em trevas luz/ Nessa fonte milagrosa do Calvário de Jesus.
Em um apelo no Corpo da Penha, em São Paulo, enquanto os cadetes cantávamos este lindo coro, uma mulher entrou com um fardo nas costas e dirigiu-se ao banco de penitentes. Do meu lugar, orei com fervor por ela - ainda bem que em voz baixa! - que, no momento exato do coro, deixou cair o seu fardo... Então vim saber, um tanto desconcertado, que se tratava de uma encenação feita pelos colegas cadetes que dirigiam a reunião e não me haviam avisado.
Com Cristo no barco tudo vai muito bem (3x) / Com Cristo no barco tudo vai muito bem, e passa o temporal!
Este corinho era cantado não só na escola dominical, mas também em reuniões de adultos, o que estranhei vindo de uma igreja onde hinos jamais eram acompanhados por outro instrumento a não ser o órgão. Mas logo me uni aos salvacionistas batendo palmas ao cantá-lo ao som do violão de meu primeiro oficial dirigente, o saudoso Sidney de Barros Campos, com quem aprendi a tocar este instrumento.
Lutaremos por Cristo nossa vida inteira aqui/ Cantaremos que Cristo salva em toda a parte do Brasil./ Procuraremos as almas jazendo em perdição/ E levando-as ao Salvador paz e vida terão!
Quanto fervor nos inundava em cumprir a missão de espalhar o Evangelho pelo Brasil inteiro! O bumbo nestas horas era tocado com mais energia e vigor naquele salão pequeno do Corpo de Pelotas-RS! Não era de estranhar que alguns vizinhos do Corpo faziam longas visitas a seus familiares aos domingos!...
Pai Celeste! Ao Teu lado quero estar quando a aurora no horizonte despontar/ Raia o sol as sombras fogem... o Teu servo vem guiar.../Pai Celeste, ao Teu lado quero estar.
Este corinho, que unia a beleza do nascer e do por do sol, era sempre cantado com muita devoção e quem sabe para alguns até com lágrimas ao buscarem aproximação maior com o Senhor.
Que a beleza de Cristo se veja em mim,/ Toda a Sua admirável pureza e amor;/ Com Teu santo poder, vem, refina meu ser/ Para a Tua beleza eu ter, Senhor!
Cantado nos momentos de maior consagração, quem não se lembra deste corinho? Vim saber bem mais tarde pelo Frederick Shaw, missionário australiano, que originalmente tratava-se de uma música popular cuja letra era "Pula, pula, moça bonita!" Certamente era um corinho do antigo ES, que "convertia" músicas populares familiares ao povo em hinos de devoção.
As santas promessas bem firmes estão/ Qual rocha no mar desta vida/ E os que têm fé, em breve verão:/ Deus nunca as promessas olvida!
E quem de nós não cantou este corinho imaginando uma rocha no mar, enquanto suplicava pelo cumprimento das promessas do Senhor em nossas vidas?
Cantando louvarei ao meu Senhor Jesus,/ Cantando exaltarei o Seu poder e amor! (bis)
E quem pode afirmar que com tango argentino não se louvava a Deus?
Se o caminho duro for, sempre acharás,/ Força no Teu Salvador, graça, auxílio e paz; /Se renhida a luta for, sempre o lema é: Vitória é nossa pela fé!
Apesar do "renhida", que alguns cantavam "remida", quem não foi ajudado em alguma ocasião por este coro?
Põe sobre mim Tua mão! (bis) Sem ti, Senhor, nada posso;/ Põe sobre mim Tua mão!
Quem diz que orar pelo toque do Senhor é só coisa da atualidade? Quantos no passado foram até o altar, até com choro, cantando este corinho?
Além do céu azul, foi Jesus preparar/ Um lar feliz a quem a vitória alcançar;/ Anelo conseguir a vida no porvir/ Com fé no meu Senhor Jesus!
Outro corinho que unia a beleza do céu azul com a esperança de um dia habitar no lugar que Jesus nos foi preparar! Que diferença dos coros atuais que de maneira quase geral omitem o céu!
Hoje abertos estão os céus,/Jesus oferece perdão./ Há gozo, gozo em meu ser, pois Cristo me dá salvação;/ Achou-me Ele em penúria;/ Vestiu-me roupagem real;/ Deu-me o maná pra minh'alma; porisso feliz sempre sou!
Em ritmo de valsa, ao aprendê-lo, nos primeiros tempos de salvacionista, quase era tentado a dançar, eu que até poderia ser considerado um bom dançarino! Mas agora vestia uma roupagem real, espiritual - e também visível, pensando no uniforme salvacionista - assim dançar, mesmo no carnaval, era coisa remota, do passado, do tempo da penúria espiritual.
Brilha sempre o sol,/ Lá no monte brilha o sol!/ Sombras há no vale abaixo./ Mas no monte brilha o sol!
Este coro talvez tenha sido escrito por um missionário suíço... Mas me recordo de, quando cadete, da vez quando realizávamos uma reunião ao ar livre em um lugar tão escuro debaixo de um viaduto que, quando um colega foi ao centro da roda e ajoelhou-se para apanhar mais folhetos para entregar às pessoas que nos escutavam, outro cadete foi ajoelhar-se ao seu lado, pensando que se tratava de um "penitente".
Nosso Evangelho é vivo e atual/ Nele encontramos da vida o ideal./ Triste, sozinho, cansado de pecar,/ O homem no bem não consegue andar./ Não há na vida razão ou prazer/ Se nosso alvo é outro e não Deus./ Esse Evangelho apela ao coração,/ Ele é vida, é poder, é ação!"
Ainda engatinhando em traduzir hinos do inglês, recebi um bom incentivo de um missionário que gostou do meu trabalho - e o mencionou - na tradução deste coro do seu idioma. O nome dele e de sua esposa, casal que tanto contribuiu para o desenvolvimento da música no Brasil, mesmo introduzindo os inesquecíveis musicais da dupla Larsson-Gowans entre nós:
Christopher e Shirley Parker, hoje aposentados na Inglaterra.
Muita coragem ter concordado em cantar uma música brasileira na visita do ICO ao Sunbury Court, na Inglaterra, em 1973. Ali estavam John Larsson e John Gowans, fazendo os primeiros ensaios do musical Espírito com um elenco de candidatos. Bondosamente, ou com pena, John Larsson elogiou a minha música e disse gostar muito do estilo de canto da América do Sul (soube mais tarde que ele fora criado no Argentina!). Eva Burrows, na foto, que se tornou general mais tarde, era a assistente do Colégio Internacional para Oficiais.
No cancioneiro finlandês de minha esposa, autógrafos do general Erik Wickberg, John Larsson e de outros, inclusive de seu tio oficial Eino Hämäläinen. O ano, 1964, quando ela se mudara - inicialmente - para a Finlândia. Enquanto isso, eu me mudava do RS para SP, para fazer parte da sessão "Pregoeiros da Fé" do Colégio de Cadetes, naquele mesmo ano. Desencontro... mas em 1972 houve o encontro - era a única filha do Hämäläinen que eu não conhecia! - e o nosso casamento aconteceu logo que regressei ao Brasil, em setembro de 1973, depois de ter cursado o ICO em Londres.
Os solos que eu fazia transformaram-se em duetos e, com o nascimento e crescimento de nossos filhos, louvamos a Deus como família. Hoje, mais raros, voltaram os duetos, em outras línguas que não o português.
Na intenção de preservar a coletânea salvacionista de corinhos antigos, Carl Eliasen publicou-os...
... e bem recentemente enviou-me pelos correios mais uma obra literária sua, acima, que pode ser encontrada à venda na Intendência Salvacionista(loja no Quartel Nacional). Acabei de lê-la de capa a capa e sugiro que seja utilizada em seminários de música para bom aproveitamento de tantos salvacionistas brasileiros, a nível divisional ou mesmo de corpo, que tanto amam louvar a Deus!
Que o passado não seja esquecido, nem histórica nem musicalmente!
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